terça-feira, 25 de junho de 2013

Amizades Líquidas

Pobre geração superficial, essa nossa. Tufam os peitos, cantando cheios de vontade cantigas sobre amor e amizade, quando a maioria jamais experimentou qualquer um destes com profundidade. Mal chegaram a pisar na ponta ponta do iceberg e já estão satisfeitos em explorar tão pouco. O sociólogo Zygmunt Bauman já falava a respeito da fragilidade dos laços humanos. Ele usa uma metáfora muito interessante para ilustrar seu pensamento, afirmando que nesta geração moderna o amor é líquido. Líquido porque um fluido se amolda exatamente a forma do local onde foi despejado. Ele não tem uma forma própria e constante, mas está sempre em metamorfose, se adaptando e mudando de acordo com o meio. O ser humano caminha a passos largos nesta direção, cada vez mais superficial em seus relacionamentos. Nos nossos dias, não apenas o amor é líquido, mas a amizade também.

Na nossa geração, amizades duradouras estão cada vez mais raras, foram substituídas pelas amizades  líquidas. Só se cultiva relacionamentos com aqueles que pensam parecido, que tem os mesmos gostos, as mesmas crenças, os mesmos hobbies, no entanto, sabemos que nossa mentalidade, e ouso dizer até mesmo a personalidade, está em constante amadurecimento, de forma que nossos pensamentos, gostos, crenças e hobbies podem mudar. E quando essas coisas mudam, tem gente que muda de amigos. Gente que é amiga de todos, mas que não é amiga de ninguém, no final das contas. É impossível cultivar muitas amizades com profundidade, só da para cultivar algumas, de contar nos dedos de uma mão. Não dá para conhecer com profundidade o íntimo de muitas pessoas ao mesmo tempo. E nem todos se deixarão ser conhecidos plenamente, por medo de as pessoas não gostarem do que verão. Amigo de verdade, conhece todos os teus lados, viu os teus dias mais escuros, mas ainda assim te ama.

Quem sabe alguns achem que eu esteja exagerando, que isso é superficialidade da minha parte por não querer cultivar muitas. Narciso acha feio o que não é espelho, afinal. E, convenhamos, isso tudo parece estranho porque quase todos estão acostumados a colecionar amigos. Reclamam da superficialidade, mas não deixam as raízes se aprofundarem. No primeiro período de sequidão, deixam a árvore morrer, porque não permitiram que as raízes se aprofundassem. São colecionadores de árvores, e possuem tantas, que é difícil encontrar tempo para cuidar de todas. Alguns são colecionadores, outros são semeadores néscios. Não tem sabedoria para escolher uma boa semente para plantar. Plantam espinheiros, quando poderiam plantar carvalhos fortes.

Falemos mais especificamente das amizades na vida do cristão. Muito me entristece ver que neste meio, o padrão de amizade pouco se difere ao padrão deste mundo. Cristãos que colecionam amigos, que andam com determinado grupo nos dias de sol, mas quando muda de estação, muda de grupo. E quem sabe a gente se encontra no próximo verão. Cristão que troca de amigo porque não sabe perdoar. Cristão que muda de amigo porque não sabe pedir perdão. Fazem do seu coração uma verdadeira estação de trem, é gente chegando toda hora, gente partindo a todo instante. Abrem o coração para qualquer um, ainda que não haja propósito de Deus nisso. E quando perde a graça ou o circo pega fogo, se despedem presenteando o amigo com uma passagem só de ida.

Deus não deseja que sejamos superficiais em nossas amizades, ao contrario, nos capacita para fazê-las duradouras, o problema é que poucos estão dispostos a suportar os espinhos para contemplar de perto a beleza da rosa, mas, acredite, valerá a pena trocar sua coleção de amizades líquidas por algumas poucas, mas duradouras e profundas, amizades sólidas. Já dizia o sábio Salomão: "O homem de muitos amigos deve mostrar-se amigável, mas há um amigo mais chegado do que um irmão" (Pv. 18:24).

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O tênue equilíbrio entre o pensar e sentir

O intelecto do ser humano é uma coisa assustadoramente fantástica. Interessante como algo tão pequeno quanto o cérebro humano pode ser tão complexo quanto o nosso imensurável universo. Creio que se Deus nos fez com uma mente tão complexa e capaz de devanear tão profundamente, ter preguiça de pensar seria como guardar um valioso presente no fundo de uma gaveta empoeirada, pura mediocridade. Não deveríamos simplesmente nos adaptar a um evangelho maniqueísta mecanicamente, porque me disseram que as coisas são assim e pronto. Ao contrário, lancemo-nos na maravilhosa aventura que é a revelação bíblica! É claro que o ensino e instrução dos sábios do passado e presente é sempre bem vindo, mas nessas horas, sejamos como os cristãos da Bereia, que foram chamados de mais nobres, visto que a cada dia examinavam as Escrituras para ver se as coisas eram de fato assim (At. 17:11), mas cuidado para não cair no engano da analise excessiva. 

Algumas pessoas costumam colocar o pensar e o sentir como se fossem inimigos, quando na verdade, são dois amigos que quando de mãos dadas, se completam. Mas quando um prossegue desacompanhado do outro, causa confusão. É preciso aprender a andar sobre o tênue equilíbrio entre o pensar e sentir. Não há como sentir a glória de Deus verdadeiramente sem uma revelação correta de seus atributos, sem pensar e refletir a respeito de quem Ele é segundo as Escrituras, é por isso que tem muita gente por aí está achando que Jesus é um fogo, um vento e até mesmo uma espécie de Papai Noel. Já dizia John Stott: "A experiência nunca deve ser o critério da verdade; a verdade deve sempre ser o critério da experiência". Por outro lado, não podemos apenas pensar e esquecer de sentir. Nossa motivação em conhecer as Escrituras e em entender, no que é possível, a mente de Cristo e sua glória, jamais deve ser meramente acadêmica ou filosófica, mas simplesmente porque O amamos e desejamos agradar Seu coração.

Quando penso a respeito da complexidade da nossa mente em comparação a de outras criaturas, vejo o quanto mais sensíveis podemos nos tornar a Deus se a tivermos aberta, o nosso sentir por Ele se aprofunda, e mais claras se tornam nossas convicções quando passamos não apenas a entender, mas a sermos transformados pelas doutrinas bíblicas inspiradas por Ele. Em contraposição, me vejo perplexa ao tentar imaginar a complexidade da mente de Deus. Se por um lado o nosso pensar pode amplificar o nosso sentir, de forma que a nossa mente nos aproxima de Deus, por outro nossa mente é extramente limitada e incapaz de entender de forma plena Seus pensamentos. É provável que jamais possamos compreender a grandeza da mente de Deus. 

Se tentássemos medir com exatidão a glória de Deus e Sua complexidade ficaríamos malucos sem dúvidas, mas se você quiser ter uma noção pare para pensar um pouco na grandeza no universo. Apenas na nossa galáxia, a Via láctea, existem cerca de 17 bilhões de planetas. E se você for pensar a nível de galáxias, a Via láctea não passa de uma pequena galáxia em meio a mais de 170 bilhões de galaxias existentes no universo observável. Conseguiu perceber como o nosso pensar pode tornar o nosso sentir mais profundo? 

E é nessas horas que você se sente como um átomo em meio ao infinito, e talvez até sejamos. É provável que isso tudo não passe de um simulacro, como dizia o filósofo Baudrillard. Apenas uma breve preparação para o novo mundo que está por vir na eternidade, na verdadeira vida. E quem sabe, aos olhos de Deus, nossa frágil vida de tão pouca duração, não passe de apenas um instante e, de repente, partimos da cidade dos homens rumo a cidade celestial.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O grito furioso do relógio

As horas estão passando tão depressa que prefiro não olhar o relógio. Tic tac, é o grito furioso do relógio para acordar a minha alma. Fui consumida por tamanha ociosidade no dia anterior que é possível que eu não tenha sono pelos próximos dois dias. Nessas horas, gostaria que meu relógio estivesse quebrado, pois sei que quando eu conseguir fechar os olhos, poucos instantes depois terei de abrir-los e isso me deprime.

Tic tac, o relógio me lembra que preciso dormir. Eu queria poder me dar férias sempre que desejasse, quando digo férias, não me refiro a férias de verão, me refiro a férias de mim mesma. Seria legal poder hibernar, como os ursos fazem. Talvez eu acordasse diferente, ou não. Talvez pensassem que eu havia morrido e eu acordasse dentro de um caixão, ou talvez ninguém notasse. Tic tac, o relógio me avisa que meus devaneios são inúteis e que eu poderia estar dormindo.

Bom, de qualquer forma, dormir é a melhor válvula de escape que inventaram, por isso é frustrante ter insônia. São nesses dias que eu me lembro que não tenho controle de tudo. Nessa passageira vida, haverá fim. Mas cada respiração é uma segunda chance, então é melhor respirarmos logo. Tic tac, o relógio diz que se eu não lhe der ouvidos logo, pode ser tarde demais para uma boa noite de sono.

Isso me faz constatar que esta noite o sono não me encontrará e que, portanto, é hora de abandonar as válvulas de escape e me render, encarar o mal que há dentro de mim, aceitar que eu preciso aprender a depender de Ti e me esvaziar de mim. Tic tac, estou indo agora, relógio. Se uma jumenta pôde falar, posso dizer que já entendi o que você queria me contar, dormir para ignorar as coisas não resolve nada, apenas atrasa o que não deveriam ser adiado. Parti da cama, os joelhos dobrei, teu grito atendi, agora então, por fim, em paz poderei me deitar e logo pegar no sono, em um muito breve, mas prazeroso sono.

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"Se formos fracos em oração, seremos fracos em tudo". C. H. Spurgeon

Alegre sou, apesar de entristecido


Me disseram que eu deveria fazer cara de vencedor
Deixar pra lá e esquecer qualquer profunda dor interior
Me contaram que é sinal de falta de fé passar por tribulações
Tem que determinar o triunfo com frases feitas de repetições

Me ofereceram um lenço com uma fragrância de paz
Disseram que é só pendurar na janela e contendas nunca jamais
Me convidaram pra participar de uma reunião de oração
Lá o moço disse pra provocar milagre e repreender oposição

Mas como haverá transformação se não há coração contrito?
Se rejeitarem a fraqueza como bastará a graça de Cristo?
Estão usurpando a escritura com um novo sagrado distorcido
Levados por qualquer vento de doutrina esteticamente bonito

A verdade é que alegre sou, apesar de entristecido
Indo na contramão dos que ditam que chorar é proibido
De que vale essa falsa força que ensoberbece o coração
Se esta impede que o arrependimento gere real transformação?

Tristes meus olhos foram no tempo que a tormenta os cegou
Mas agora pela alegria que me fôra proposta sorrindo vou
Apesar de quando, apesar de tudo, apesar de mim
Com os olhos voltados para eternidade prossigo assim

Mesmo que vá doer 
Precisamos deixar o odre velho romper
Mesmo que queira chorar 
O vinho novo em nós verter há de começar
Abra os olhos contra a confissão positiva neste dia
E deixe entrar no coração a libertadora doxologia

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"Quero que você saiba que sou feliz e triste ao mesmo tempo, e ainda estou tentando entender como posso ser assim". Frase do personagem Charlie, do filme/livro As Vantagens de ser Invisível.

"Uma inércia espiritual é a nossa inimiga; uma tempestade talvez seja nossa amiga. A controvérsia talvez provoque pensamento, e por meio dele talvez venha a mudança espiritual necessária." C. H. Spurgeon

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Uma canção para refletir:

O Evangelho - Grupo Logos

Eu sinto verdadeiro espanto no meu coração
Em constatar que o evangelho já mudou.
Quem ontem era servo agora acha-se Senhor
E diz a Deus como Ele tem que ser ...

Mas o verdadeiro evangelho exalta a Deus
Ele é tão claro como a água que eu bebi
E não se negocia sua essência e poder
Se camuflado a excelência perderá!

Refrão
O evangelho é que desvenda os nossos olhos
E desamarra todo nó que já se fez
Porém, ninguém será liberto, sem que clame
Arrependido aos pés de Cristo, o Rei dos reis.

O evangelho mostra o homem morto em seu pecar
Sem condições de levantar-se por si só ...
A menos que, Jesus que é justo, o arranque de onde está
E o justifique, e o apresente ao Pai.

Mostra ainda a justiça de um Deus
Que é bem maior que qualquer força ou ficção
Que não seria injusto se me deixasse perecer
Mas soberano em graça me escolheu

É por isso que não posso me esquecer
Sendo seu servo, não Lhe digo o que fazer
Determinando ou marcando hora para acontecer
O que Sua vontade mostrará.

Admirável evangelho novo


Repleta de virgens néscias se encontra a abadia
Metamorfoseando em sociedade de massa a cada dia

O vernáculo da escritura parece um tanto empoeirado
Para aqueles que a revelação permanecem fechados

Esqueceram o livro, re-costuraram o véu
Na vã ilusão de fazer seu próprio caminho ao céu

Comprando os ensinamentos dos fariseus sincréticos
Desprezando o conhecimento, perecem de olhos cegos

Ouço falácias por todos os lados
Chuva de miraculosos objetos usados

Reduziram a cruz a filosofia
Transformaram o sangue em ideologia
Resumiram tudo em sinais e maravilhas
Desfiguraram a graça em um prato de lentilhas

É o admirável evangelho novo
Convencendo o enganoso coração do povo

Em meio a esta abadia dormente
Subverte os que desejam acordar a mente


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"A maior parte dessas pessoas não está pronta para acordar, e muitos são tão inertes, tão dependentes do sistema, que vão lutar para protegê-lo". Frase do personagem Morpheus, do filme Matrix.