sábado, 21 de junho de 2014

Requiem para o Velho Homem


Com rugas desenhadas no rosto e fios de cabelo embranquecidos pelo tempo, o Velho Homem percorria um caminho estreito e íngreme com pés descalços e cansados, como quem envelheceu 100 anos em 100 dias. Seu semblante era de alguém que ao se auto analisar chegou a uma conclusão tristemente insatisfatória e caiu em si. O fardo em suas costas parecia mais pesado do que nunca. Com o olhar atencioso como quem procura um tesouro escondido, o Velho Homem prosseguia retamente o seu caminho. Sua respiração estava ofegante, mas ele mantinha o sorriso. Apesar de todo o cansaço, seu olhar demonstrava a segurança de quem cria que o que se aproximava a sua frente lhe daria plena satisfação.

De repente ressoaram diversos sons, que combinados resultaram em uma linda melodia tocada por instrumentos desconhecidos. Era como o som de muitas águas agitadas, do vento assobiando em lençóis de areia, de folhas se curvando diante da glória que se aproximava. Era o requiem para o Velho Homem. O caminho parecia estar findando, com entusiasmo o Velho Homem se aproximava cada vez mais da clareira no topo. Como que reanimados pela melodia, seus pés cansados adquiriram novo vigor, ele apertou o passo ansioso para chegar ao seu destino, enquanto relembrava todos os obstáculos que havia superado, a incredulidade, a falsa moral, as concupiscências da carne, a vaidade, o medo, a dúvida, a hipocrisia, foram tantos...

Até que sem realmente se dar conta, havia chegado ao topo e a clareira revelava seu destino. Estava diante de um grande rio, tão cristalino que poderia ver sua profundidade. Em uma rocha uma frase entalhada dizia: “Quem não nascer de novo não pode entrar no reino dos céus”. Velho Homem ficou intrigado com aquela frase, como poderia alguém nascer de novo? Precisava de entendimento e ansiava por isso, estava cansado de ter ouvidos, mas não ouvir e de ter olhos impossibilitados de enxergar. Diante daquele rio, estava tão perto que poderia ver seu reflexo, Velho Homem humildemente se colocou de joelhos, fechou os olhos e orou: Grande Feitor, de todas as coisas que se vêem e daquelas que não podem ser vistas, sou um pecador miserável, culpado da cabeça aos pés, desde o meu nascimento tudo o que eu tenho feito é pecar, será que há esperança? Desde que comecei a ler a Tua palavra no Livro, ganhei um fardo nas minhas costas que está cada vez mais pesado, mas apesar de todo o cansaço, desde que atravessei a Porta Estreita não consigo nem sequer pensar em voltar atrás, precisava persistir no caminho e agora que cheguei não há mais nada além deste rio que parece não ter fim. Eu clamo que me ajudes, pois eu desejo imensamente prosseguir até o Teu Reino, então como posso nascer de novo?

Velho Homem sentiu uma sensação inexplicável, seu coração estava aquecido e lágrimas quentes corriam por todo o seu rosto, ele abriu os olhos e para seu espanto ele viu sua versão infantil refletindo no rio. Como se fosse à coisa mais óbvia do mundo, Velho Homem adentrou as águas, mergulhando com serenidade de encontro ao seu reflexo de menino. Foi como se tivesse sido atingido por uma força celestial em seu peito, uma alegria indizível encheu seu coração. Ele levantou-se do rio como se fosse alguém completamente diferente, sentia-se diferente e de fato estava. Ele avistou um ancião de semblante muito amável sentado em cima da rocha e se dirigiu até onde ele estava: “Quem é você e a quanto tempo está aí?” Indagou ao ancião um tanto confuso. “Eu me chamo Consolador e estou aqui desde sempre, só que antes você não conseguia nem me ver, nem me ouvir” respondeu a figura. “Como assim? O que você quer dizer com isso? Porque eu só consegui enxergar você agora se estava aí o tempo todo?” Velho Homem estava agora além de confuso, intrigado. “Você não conseguia me ver porque antes não tinha a Luz do Entendimento. O Grande Feitor regenerou seu coração e agora você nasceu de novo. No momento em que você abriu seus olhos, o seu reflexo, assim como seu coração, já não era de Velho Homem, mas de um menino, agora você se chama Menino Maiúsculo. Menino na pureza, Maiúsculo em maturidade. E eu não sou a única coisa que você não estava enxergando por lhe faltar a Luz do Entendimento, dê uma olhada novamente no rio”.

Ao virar-se para observar o rio novamente, Menino Maiúsculo se deparou com um caminho que ia por cima do rio. O caminho estreito não havia terminado, estava apenas começando. Então tomando fôlego, fortalecido como nunca antes, começou a caminhar. Percebeu que estava sendo seguido por Consolador e lhe perguntou: “Você vai me acompanhar?” e Ele lhe respondeu: “Estou lhe acompanhando desde que você atravessou a Porta Estreita e continuarei com você todos os dias, por toda a eternidade”.

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